© Folha de Sao Paulo, 1990
Folha de Sao Paulo (Sao Paulo) 70, No. 22458 (1990)H-3, Friday, 28 September 1990

ciência

Luz supera a velocidade máxima de Einstein

figure

pictures

Cassio Leite Vieira

Da Reportagem local

As conclusões de dois trabalhos teóricos estão desafiando um dos maiores dogmas da física: nada é mais veloz que a luz no vácuo. Em 1905, Albert Einstein afirmou, em sua teoria da relatividade, que nada pode ter uma velocidade maior do que a da luz no vácuo (cerca de 300 mil km/s), conhecida como "c"). Um físico alemão-oriental e outro britânico, em pesquisas independentes, chegaram a resultados semelhantes: entre duas placas metálicas infinitas a luz pode superar esse limite.

Gabriel Barton, da Universidade de Sussex (Grã-Bretanha), autor de um dos trabalhos, disse à Folha "que a velocidade da luz só é um limite quando estamos tratando de grandes distâncias, em um espaço sem fronteiras". Para se chegar a essa conclusão, foi idealizada uma experiência com duas placas metálicas infinitas, sem carga elétrica e paralelas. Entre as duas, haveria vácuo (total ausência de matéria).

Quando a luz viaja paralela às placas, seu valor é "c". Mas quando vai de uma placa à outra a velocidade é maior do que isso. Se as placas estiverem separadas por um milésimo de milímetro, a luz sofre um acréscimo, em milímetros por segundo, igual a meio trilhonésimo de um trilhonésimo, ou um algarismo cinco na 25a casa depois da vírgula, antecedido por zeros. A causa desse efeito são as características do vácuo entre placas metálicas. "Talvez leve muito tempo ainda para se chegar a tamanha precisão", diz George Matsas, 25, doutorando pelo Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Mas os resultados são impressionantes."

Klaus Scharnhorst, 32, da Universidade de Leipzig (Alemanha Oriental), disse por telefone que "talvez só daqui a cem anos" se possa verificar as conclusões de seu trabalho. Para Henrique Fleming, 51, professor-titular do Instituto de Física da USP, "os físicos experimentais já devem estar quebrando a cabeça para bolar um modo de testar os resultados desse efeito".

O aumento da velocidade de luz entre as placas metálicas já foi batizado de "efeito Scharnhorst". "Mais do que feliz, acho que é importante que os físicos tenham achado as conclusões de meu trabalho interessantes", disse Scharnhorst. Ele publicou seu trabalho na revista científica "Physics Letters B" (vol. 236, pág. 354, 1990). Barton chegou aos mesmos resultados através de outro método. Seu trabalho está na mesma revista (vol. 237, pág. 559, 1990).

Físico estabeleceu limite com teoria lançada em 1905

Da Reportagem local

Em 1905, of físico Albert Einstein publicou sua teoria da relatividade, o terceiro e último dos seus trabalhos daquele ano. Entre as conclusões, que chacoalharam toda a física, estava a de que nenhum corpo poderia viajar com velocidade acima daquela calculada para a luz no vácuo.

No século passado, of físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) mostrou que a velocidade da luz não dependia da velocidade do observador. Uma analogia: se um carro está a 100 quilômetros por hora (km/h) e, ao seu lado, no mesmo sentido, passa outro carro a 120 km/h, a velocidade relative entre os dois é de 20 km/h. Se, por acaso, o segundo carro passasse em sentido contrário, a velocidade relativa entre ambos seria dada pela soma, isto é, 220 km/h.

Quando se trata da velocidade da luz, essa noção de relatividade não funciona, o que viola e física clássica. Se uma pessoa estivesse viajando "montada" em uma partícula de luz (fóton) - a experiência é obviamente hipotética - e, no sentido contrário, passasse uma outra, nas mesmas condições, a velocidade relativa entre as duas continuaria sendo a da luz (cerca 300 mil km/s). Elas não seriam somadas nem subtraídas. Em outras palavras, Einstein propôs que a velocidade da luz é a mesma de qualquer lugar de onde ela seja observada, isto é, de qualquer referencial. Princípio semelhante foi estabelecido por volta de 1880 pela experiência dos físicos Albert Michelson (1852-1931) e Edward Morley (1838-1923).

As implicações da teoria da relatividade mexeram também com as noções de espaço e tempo. Com aumento da velocidade de um corpo acontece a chamada dilatação do tempo e contração dos espaços. Segundo a relatividade, quanto mais rápido um corpo se move, mais devagar o tempo passa para ele. Nas mesmas condições, o comprimento se tornaria menor.

O paradoxo dos gêmeos se tornou uma consequência clássica da teoria. Se um dos gêmeos fosse colocado em uma nave e viajasse, por exemplo, com metade da velocidade da luz, o tempo em relação a ele passaria cerca de 13 % mais devagar do que para seu irmão na Terra. Sendo assim, quando seu irmão "terrestre" tivesse 60 anos, o viajante espacial estaria apenas com 52 anos. (CLV)

Galileu tentou medição

Da Reportagem local

Na Antiguidade, a luz era considerada um fenômeno instantâneo. Galileu Galilei, físico e astrônomo italiano (1564-1642), foi o primeiro, através de métodos ainda primitivos, a tentar medir a sua velocidade. "Ele concluiu que ela era mais rápida que a do som, mas não dava para medi-la", diz Giorgio Moscati, 56, professor-titular do Instituto de Física da USP.

Ole Christensem Hom (1644-1710) foi o primeiro cientista a medir la luz usando a astronomia. Ele percebeu que a luz tinha que ser levada em consideração nos cálculos astronômicos. Através da observação do satélite Io, do planeta Júpiter, ele concluiu que a luz chegava com cerca de dez minutos de atraso à Terra. Ele chegou a um valor da ordem de 75 % da velocidade da luz que se conhece hoje. "Foi uma boa aproximação para a época", diz Moscati.

No início do século a qualidade das medidas foi melhorando. Em 1982, os cientistas perceberam que não era possível medir a luz com maior precisão. Ela foi então padronizada em 299.792.458 metros por segundo, que pode variar de uma unidade para mais ou para menos.

Com isso, foi possível redefinir o valor do metro. Desde 1983, ele passou a ser igual à distância que a luz percorre em 1/299.792.458 segundo. Antes ele era baseado na luz (radiação) que o elemento químico criptônio 86 emitia. (CLV)

Vácuo é lugar 'violento'

Da Reportagem local

O universo pode ter surgido a partir do vácuo. Isto é, pelo menos, o que alguns cosmólogos (cientistas que estudam as origens do universo) acreditam. "O vácuo é um palco de manifestações violentas", diz Matsas.

Uma delas, por exemplo, pode ser o surgimento de uma particula negativa (elétron) e de sua antipartícula positiva (pósitron) na aparente total ausência de matéria. Esse par surge do "nada" e, num instante muito curto, se aniquila, voltando a ser uma partícula de luz (fóton). Dentro do aparente "vazio" do vácuo, esse tipo de fenômeno acontece a todo instante e é responsável pela chamada "flutuação do vácuo".

Na física clássica, os cientistas achavam que o vácuo era uma região "tranquila" do espaço, onde nada poderia acontecer. Retirada toda a matéria e isolandose as forças externas, não haveria motivos para a manifestação de qualquer fenômeno físico. Em 1948, o físico holandês Hendrik Gerhard Casimir mostrou teoricamente que o vácuo entre duas placas metálicas era diferente do vácuo "comum". Surgia, aparentemente sem motivo, uma força de atração entre elas, que ficou conhecida como efeito Casimir. Dez anos depois, uma experiência comprovou a previsão.

Se de dentro de uma caixa lacrada fosse retirado todo tipo de matéria, com a ajuda de um aspirado superpotente, "mesmo assim sobraria muita coisa lá dentro", diz Fleming. (CLV)


Up